Todo mundo sabe que qualificação é um dos requisitos principais para quem vai entrar na briga por uma vaga no mercado de trabalho ou busca crescer profissionalmente. Mas não é suficiente: a saúde também importa e a hora da verdade chega quando o candidato é convocado para o exame admissional.
Especialistas consultados pelo GLOBO ONLINE enfatizaram a importância do exame médico ocupacional, realizado tanto na hora da admissão, como também durante o período em que o profissional está contratado. Prova disso é que, na última quinta-feira, foi lançada, em São Paulo, pela Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho (Abresst), em parceria com o Sesi, as recomendações técnicas para os exames médicos previstos no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (que incluir o admissional, periódico e o demissional), com o objetivo de padronizar esse serviço em todo o país, para que haja um mínimo de critério técnico para a realização de um bom exame.
No momento da contratação, o exame médico admissional é importante para a empresa e o trabalhador. Segundo Márcia Bandini, especialista em Medicina do Trabalho (Anamt), são dois os principais objetivos do procedimento. Um, é verificar a capacidade do candidato para o trabalho, se ele tem as condições de saúde requeridas para o exercício de determinada atividade. Ou seja: um motorista precisa enxergar bem, um policial precisa ter bom condicionamento, etc.
Por outro lado, ressalta a especialista, o exame é importante para preservar a saúde do trabalhador e verificar se existem condições que possam ser agravadas pelo trabalho. Ela citou como exemplo o caso de uma pessoa com asma grave, que pode ter problemas sérios se trabalhar em um ambiente onde haja poeiras em suspensão.
– O exame admissional em lei para proteger a saúde do trabalhador, e não para discriminar potenciais candidatos a emprego – afirma a procuradora do Trabalho, Daniela Mendes.
Doenças pré-existentes
O exame demissional verifica, ainda, casos de doenças pré-existentes. De acordo com a advogada Glória Maria de Lossio Brasil, especialista em Direito do Trabalho, o médico do trabalho responsável pelo exame deve procurar conhecer a vida pregressa do trabalhador e possíveis contatos com agentes nocivos à saúde nos empregos anteriores.
O exame também é uma forma de proteger o empregador de ser culpado por doenças ocupacionais pré-existentes, evitando que pague indenizações indevidas, caso seja acionado judicialmente por um funcionário de má-fé.
O importante, ressalta Márcia Bandini, é entender que o exame admissional serve para preservar a saúde e não deve ser utilizado como uma forma de discriminação ou de exclusão.
– Um candidato não deve ser reprovado por ter algum problema de saúde. A avaliação deve considerar o binômio trabalho-trabalhador e os efeitos à saúde dos riscos ocupacionais. O admissional não deve ser usado para encontrarmos “super-homens” ou “mulheres-maravilhas”.
As palavras são endossadas pela advogada Glória Maria Brasil, que cita o artigo 1º da Lei 9.029/95, segundo o qual “é proibida a adoção de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXIII do artigo 7º da Constituição Federal”.
Segundo a advogada, está inserido na lei qualquer ato discriminatório praticado pela empresa no momento da admissão, o que pode dar margem à ação judicial do candidato, visando à contratação, bem como ação por danos morais.
Os exames
No exame que é realizado antes do empregado ser contratado pela empresa, além de uma conversa para saber o “histórico” médico do candidato e suas complementares, realizados em laboratório, que irão complementar as informações que o médico precisa para decidir sobre a aptidão da pessoa que está sendo submetida a eles. Alguns dele são: hemograma completo, glicemia, eletroencefalograma, eletrocardiograma e audiometria (para verificar se há algum problema de audição). Em alguns casos, são pedidos exames oftalmológicos.
É proibida a realização de exames de gravidez, de esterilização e HIV (AIDS), considerados discriminatórios. Segundo a advogada Glória Maria Brasil, caso o candidato desconfie que foi eliminado do processo por causa dos resultados de algum desses exames, pode reivindicar seus direitos na Justiça.
– Se efetivamente o candidato foi aprovado em todo o processo e, na hora do exame médico, houve algum problema e ele desconfiou que teve uma motivação discriminatória, pode reivindicar seus direitos. Se for comprovado que foi feito um exame de HIV e a pessoa foi eliminada do processo por este motivo, a empresa está em maus lençóis.
E agora, fui ‘reprovado’ no exame médico!!!
Eliminar um candidato no exame médico é um aspecto muito delicado, na opinião de Márcia Bandini. Como não existem regras, a análise é realmente feita caso a caso.
Para que se entende o que está em jogo, a médica dá um exemplo exagerado:
– Um atendente de telemarketing precisa da audição para atender os clientes e um mecânico de manutenção precisa de boa mobilidade para se consertar máquinas com acesso difícil. Uma pessoa com deficiência auditiva grave provavelmente seria reprovada para ser atendente, mas poderia ser um mecânico, Por outro lado, alguém que tenha uma doença degenerativa que comprometa a locomoção provavelmente não conseguiria atuar como mecânico, mas poderia ser um excelente atendente. É assim, sem preconceitos e com muito critério que se toma a decisão final.
Naturalmente – ressalta – para que a decisão seja tomada de forma acertada, é fundamental que o médico conheça as condições do trabalho e, por isso, o exame admissional deve ser conduzido por médicos de trabalho que tenham boa qualificação técnica e familiaridade com o local de trabalho.
Ela acrescenta que o médico do trabalho não deve reprovar um candidato simplesmente porque ele tem uma doença, como hipertensão, por exemplo.
– Se o candidato tiver pressão alta, mas a pressão estiver sob controle e a atividade de trabalho não agravar o quadro, ele deve ser considerado apto e monitorado durante os exames médicos periódicos.
Segundo a médica, qualquer inaptidão que não seja bem explicada e embasada, pode resvalar na discriminação, como as situações clássicas de empresas que deixam de contratar indivíduos obesos, pessoas com deficiências, portadores de doenças crônicas. Ela lembra que em relação a gestantes e portadores do vírus HIV, a questão é ainda mais grave, porque os exames são proibidos por lei.
Independente de qualquer aspecto legal, dar a notícia de que o candidato foi eliminado do processo devido ao exame médico é sempre um missão difícil, diz a médica.
– Comigo, isso aconteceu em raras ocasiões, mas é um momento difícil. Acho que, nestes casos o médico do trabalho deve ser um pouco “assistente social”.
Segundo ela, é importante que o trabalhador entenda o real motivo elo qual não foi aprovado para a função que se candidatou. É fundamental que o médico explique que o que está em jogo é a saúde e não o emprego, e que aquela condição de saúde que o reprovou não seria impeditivo em outras situações.
– Em empresas grandes, é até possível verificar a possibilidade de outra vaga para o mesmo candidato. Finalmente, é preciso trazer a esperança de volta, orientar sobre os cuidados com a saúde, qual serviço médico procurar, como tomar um medicamento adequadamente.
Nos poucos casos que teve de eliminar o candidato, a médica ressaltou que os dois pontos foram certos: levar um tempo considerável para conversar com o trabalhador; e todos saíram convencidos de que a decisão tomada tinha sido melhor para eles.
– É comum a tarefa de dar a notícia ficar com o médico, o que, em certo aspecto é muito bom. Muitas vezes, exercemos o papel de psicólogo.
O que não pode – e não deve acontecer – é ficar no jogo de empurra entre o RH da empresa e o departamento médico, fugindo à responsabilidade de dar a notícia ao trabalhador.
Fonte: O Globo Online